Exit (2019) do diretor Sang Geun Lee tem sido bem recebido na Coreia do Sul e é, brilhantemente, um filme de ação com seus vários picos de comédia. Protagonizado por Jung Suk Jo (Hospital Playlist) e Yoona (Girl’s Generation) traz importante reflexão a respeito do valor do ser humano que a todo momento é caracterizado, exclusivamente, pelo seu trabalho.
Sinopse:
“Yong Nam (Jung Suk Jo) foi um dos melhores escaladores de montanha da faculdade, mas não teve muita sorte em outros lugares após a formatura. Ele não conseguiu um emprego e depende de seus pais para sobreviver. No aniversário de 70 anos de sua mãe, ele insistiu em fazer a festa no Dream Garden porque sua antiga paixão, Eui Ju (Yoona Im) trabalha lá. Quando ocorre um desastre, em que um gás misterioso se espalha pela cidade, ele precisa usar todas as suas habilidades de escalada com a ajuda de Eui Ju para garantir a segurança de todos.” Extraído de imdb.com – tradução: BrazilKorea.
Já que durante o filme, o valor das pessoas é definido pelo trabalho, nada melhor do que o herói desse conto épico ser um desempregado. Aliás, farei o movimento contrário da definição por adjetivos vinculados ao trabalho, pois nosso herói tem nome e se chama Yong Nam.
Li vários comentários de pessoas que assistiram a este filme e o definiram como “filme de sessão da tarde” no sentido de ser um filme para passar o tempo. Infelizmente, essas pessoas não conseguiram captar a essência dessa obra de arte. Não tenho medo de afirmar que Exit carrega tão importante crítica social quanto o famoso Parasita.
Os primeiros 20 minutos do filme são muito bem humorados. Depois disso nossa atenção é prendida pelas cenas de ação e, talvez, por isso, seu cunho filosófico pode acabar passando por despercebido. Mas como vocês devem saber, há muito mais, do que a literalidade das coisas nos filmes coreanos.
Moral
As duas primeiras cenas são cruciais para percebermos os direcionamentos filosóficos de Exit. Na primeira cena, o sobrinho de Yong Nam sente vergonha do tio e não quer ser relacionado a ele. Mais tarde percebemos que esse julgamento é pela visão que as pessoas têm em relação aos desempregados; melhor dizendo, é em relação a supervalorização a ideia de trabalho.
Ora, uma criança ser capaz de menosprezar o tio por meio deste aspecto social significa que até a inocência das crianças foi moldada para a ideia de que o trabalho dignifica o homem. Na mesma cena, Yong Nam recebe a notícia de que não foi aprovado no processo seletivo do qual participava.
A cena seguinte é a minha preferida. Acredito ter referência a Nietzsche (Crepúsculo dos Ídolos) quando Yong Nam e seu amigo estão no bar conversando enquanto bebem. Seu amigo diz que não consegue ver nada a sua frente, referindo-se a algo no futuro. Yong Nam responde pedindo ao amigo para abrir os olhos. Coincidentemente há um letreiro escrito “hope” (esperança) em frente ao rapaz de olhos fechados.
Para Nietzsche a primeira preparação para educar o espírito diz respeito a aprendermos a ver, em ordem de conhecermos os instintos e não agirmos impulsivamente diante uma situação. Assim, estaríamos dispostos a melhor analisar os acontecimentos da vida. A resposta imediata estaria relacionada ao esgotamento do ser, muitas vezes sendo uma reação automática.
O filósofo comenta ainda acerca do alcoolismo da sociedade alemã como um dos motivos para o desfalque do espírito. Isso só reforça meu pensamento de que aqui temos uma referência a Nietzsche pois logo após Yong Nam receber a resposta do processo seletivo, ele e o amigo encontram-se no bar.
Super poder
Aprender a ver e não agir por impulso é o que vemos durante todo o filme, em que Yong Nam analisa as possibilidades para escapar do gás venenoso. Sobem os prédios, assim como Zaratustra (Nietzsche) subiu o morro e desceu com ensinamentos. Não é por acaso também que enquanto está no bar com seu amigo, está tocando a música Super hero – Lee Seung Hwan (faixa tema do filme).
O Super hero ou o super-homem (além-homem conceito também de Nietzsche), são representações de superação do homem; melhor ainda, são representações de superação de valores morais socialmente compartilhados. O herói de Exit teria a função de fazer a transcendência desses valores, ou seja, transformar a sociedade que acredita que o melhor do ser humano é o seu trabalho; ou que o trabalho vem antes de qualquer outro evento.
Ainda na cena do bar, as pessoas recebem um alerta de desastre. Foi um terremoto em alguma cidade vizinha. Yong Nam diz que está feliz por não ser onde estão e o amigo diz que terremotos e tsunamis não são os únicos desastres que existem e que suas vidas são a própria definição de desastre.
Além de passar pelas provações contra o gás tóxico que se espalha pela cidade, nosso herói tenta ainda impressionar a mulher que admira. Yong Nam cria, então, uma persona baseada nas expectativas que a sociedade tem sobre ele para ter alguma relevância para Eui Ju. Mente que é um gerente na área financeira.
A persona criada para impressionar a pessoa que gosta foi baseada em trabalho. E acredito ser muito poderoso você ter que esconder quem é e deixar que uma posição de trabalho (que no caso nem existe) fale por você. Ou seja, Yong Nam não é nada além desse trabalho fictício?
Consciência
Com o gás que se espalha pela cidade, Eui Ju, Yong Nam e sua família estão presos num prédio em busca de saída. E é então que o filme e seus personagens deixam de lado títulos de trabalho, posições sociais e dinheiro. Yong Nam toma a liderança dos acontecimentos que seguem para salvar sua família.
A partir daí os tratamentos de indiferença, insignificância e lamento que recebia vão se transformando em apreciação, preocupação e afeto.
Há um momento no filme em que Yong Nam diz que no futuro quer trabalhar no prédio mais alto para que não seja pego por esse gás que se espalha pelas ruas e lugares mais baixos. Outra referência a essa essência social que pensa no trabalho mesmo enfrentando a morte.
O filme quase como uma novela faz uma representação bem caricata de cada um dos seus personagens e das situações entre família, amigos, chefe e crush. Conseguimos nos ver em algum momento ou outro, conseguimos tomar consciência de que o filme é sobre nós.
O filme Exit é em si um ato heroico (formador de consciência e transformador de moral), pois convida a pessoa comum para também ser herói. Impulsiona reflexão dos valores que orientam a sociedade ao nos apresentar um personagem que tem cotidiano bem parecido com o de muita gente. Ao categorizar Yong Nam como “excedente inútil” quem é que não vai questionar o tipo de sociedade em que se vive?
O filme teve estreia mundial em 2019 mas ainda não chegou ao Brasil.
Assista ao trailer:
Fontes: imdb.com, brazilkorea.com.br
NIETZSCHE, F.; Assim falou Zaratustra. São Paulo: Companhia das. Letras, 2011
NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos, ou como se filosofa com o martelo. São Paulo: Companhia da Letras, 2006