Goedam (2020) | Imagem: Netflix

Goedam (2020) | Imagem: Netflix

O diretor de Goedam é Hong Won Ki. Se você gosta de k-pop é certo que já viu algum clipe dirigido por ele. Hong Won Ki é famoso por ter dirigido inúmeros vídeos de artistas como: Girl’s Generation, BTS, Super Junior, MAMAMOO, GFRIEND, CNBLUE, 4Minute, EXO, Shinee entre VÁRIOS outros. Assim como os vídeos de k-pop, Goedam é muito bem produzida e detalhista.

Goedam (괴담) é uma série de lendas urbanas contextualizadas nos mais diversos cenários da atualidade. A série antológica apresenta em 8 episódios, histórias que envolvem fantasmas, mortes, muito sangue, bizarrice e o tão aclamado terror asiático. 

Lendas urbanas são histórias fictícias contadas como verídicas e podem ou não conter alguma base real. Segundo o site snopes, essas histórias são reflexos de preocupações e medos da sociedade. Servindo como advertências, alertando as pessoas em relação a determinados comportamentos e suas consequências.

Entre efeitos especiais bem característicos de filmes de terror e cenas trash é possível ver também o que não é artificial: suas críticas.

O uso de lendas urbanas 

As histórias podem se atualizar com o tempo e com as novas preocupações da sociedade. Neste sentido, acredito que Goedam foi genial em trazer lendas em contextos muito mais contemporâneos. Dá aquela sensação de “é muito black mirror!”

O trabalho genial de Hong Won Ki faz justamente o que se pretende com uma lenda urbana: provocar preocupação sobre determinados assuntos. Apesar disso, muita gente não conseguiu fazer interpretações por considerar que as lendas foram jogadas sem contextos e por não indicar a história original de cada lenda.

Comento a seguir sobre minhas interpretações dos três primeiros episódios e espero que isso os ajude a interpretar os seguintes.

Conversei com uma coreana que vive no Brasil, a Sabrina Kim do canal SS-LOG, para saber se ela conhece as lendas que foram tratadas na série. Sabrina produz conteúdo junto a sua amiga Susu com muita informação sobre a Coreia e suas experiências aqui no Brasil. Ela me contou que conhece as duas primeiras histórias abordadas em Goedam e que são muito famosas na Coreia. 

Episódio 1 – Fenda

No primeiro episódio, a história é bem semelhante e se refere a duas estudantes que são as duas melhores classificadas da turma. Aluna A e Aluna B. Na história que a Sabrina me contou a Aluna B empurra a Aluna A do terraço da escola, fazendo-a cair de cabeça olhando para o chão.

E assim como acontece em Goedam, a aluna está no banheiro e então o fantasma da menina vem para pegá-la e aparece debaixo da porta de cabeça pra baixo (a forma como caiu do prédio) olhando para a Aluna B. 

O episódio é pequeno, mas tem detalhes importantes que mostram a potência de Goedam em contextualizar lendas urbanas. No início do episódio, a professora está falando sobre Adam Smith, muitas vezes referido como “pai” do liberalismo econômico e sobre sua teoria da mão invisível do mercado.

A teoria diz que sem a interferência do Estado na economia os preços iriam se autorregular em prol das necessidades sociais. Com isso, Goedam usa essa teoria como a primeira lenda urbana contada pela série, já que é no primeiro episódio e faz parte das primeiras falas do episódio. 

No liberalismo econômico segue a ideia de competição que é o plano de fundo da história original que a Sabrina contou e também do episódio. Diante uma turma de umas 30 meninas, temos apenas duas reconhecidas e a competitividade instaurada leva a morte de uma delas. É a eterna disputa mortal pelo lugar reservado a poucos. 

Se pensarmos as lendas urbanas como histórias que alertam algo, é evidente o uso de advertência dessa história no contexto atual em relação às ideias de competitividade e suas consequências mortais para uma comunidade de pessoas que não deveriam se encarar como inimigos. 

Episódio 2 – Destino

Segundo a Sabrina, o episódio é uma adaptação de história bastante conhecida, a do Jayuro Gwishin. O taxista pega uma passageira e recebe suas instruções até que em algum momento ele percebe que não tem ninguém no carro além dele. E é morto pelo fantasma.

Ela contou ainda que o Haha (Infinity Challenge), tornou a lenda ainda mais famosa contando que a história aconteceu com ele enquanto dirigia e levava seu manager como passageiro. Na história de Haha, ele recebia instruções do caminho para seguir até que quase se envolveu num acidente e percebeu que seu manager estava dormindo. A voz o direcionava para o acidente. Creepy! 

No geral, lendas urbanas servem para algum propósito e têm função moralizadora. Seja para corrigir ações ou impedir que se faça algo de determinada maneira. Por exemplo: “não dirija com sono, pois você vai se envolver num acidente”.

Com sono, o motorista, tira um cochilo e volta a dirigir recebendo direções da tal fantasma. Que pode ser uma alucinação causada pelo sono, fazendo com que ele emprestasse seus olhos ao sono e se entregasse a estes comandos que o levara a morte.

Como a série tem essa pegada black mirror, não poderia deixar de comentar em relação a crítica que se faz a este tipo de lógica de trabalho. O taxista que está com muito sono, dorme e logo é acordado por uma jovem que entrou no carro.

O trabalho chegou até ele antes mesmo dele estar descansado para poder continuar trabalhando. Dormiu no próprio local de trabalho e já acordou com as mãos no volante para continuar a trabalhar. Ao final do episódio, a passageira arranca-lhe os olhos. É mais uma clara referência a posse do corpo do motorista, que não lhe pertence mais e sim a sua passageira, que dita o destino.

Episódio 3 – Invasor

No terceiro episódio, a Youtuber que se mudou recentemente, conta ao seu público que estava procurando uma empresa de serviços de mudanças. Ela ficou chateada, reclamou e procurou outras empresas. Porém, todas as outras cobravam o mesmo valor para esse dia específico. 

Esta é também uma referência ao primeiro episódio, no qual cita-se que o livre mercado irá se autorregular para atender as necessidades sociais. Quando na verdade, a Youtuber que teve que se adequar ao mercado, alterando o seu desejo.

Este terceiro episódio me lembrou muito o clipe da Sunmi “Noirem que ela consome os likes e faz de cada passo de sua vida um espetáculo para as redes sociais. E acaba se tornando refém desses likes até mesmo nas situações de risco ou em cenários fictícios. 

No final do episódio a Youtuber vai tirar uma selfie com filtro do cachorrinho e várias carinhas começam a aparecer no seu celular, indicando que tem tem muita gente ali. Essas pessoas estão presentes em espírito dentro da casa dela. Até que a Youtuber se mata, mas não é um suicídio, ela ainda vive para as câmeras – para o espetáculo. Vive para atender essa demanda. 

Hong Won Ki (lendário)

A série vai muito mais além do que o mero ato de cinematografar as lendas urbanas conhecidas na Coreia. Por esse motivo, não vamos conhecer todas as referências originais. E, tão pouco, a série tenta resgatar essa ideia. Pois Goedam fala por si e se faz compreensível no que se propõe a passar. 

Por exemplo, a Sabrina me contou também que uma outra história que a avó dela contava diz respeito a não poder pisar na borda inferior da porta, pois isso abrirá o portal entre o mundo dos mortos e o mundo dos vivos. Isso acontece no episódio 7 (Soleira) e poderá ser uma referência perdida para outras culturas e, ainda assim, a série não perde seus sentidos. 

É possível perceber referências entre os episódios. Prestem atenção nisso! E correlacionem as lendas urbanas do diretor Hong Won Ki com as preocupações da sociedade atual.

Fontes:

Netflix, imdb.com, movieplot.de, mydramalist.com,snopes.com e acompanhem as meninas do SS-LOG.

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One Response to Goedam (2020) | Lendas urbanas na Netflix
  1. avatar

    Adorei a indicação! Vou assistir!!


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